Brenda Leite
Flávia Sutelo
O dia 17 de agosto é o Dia Nacional do Patrimônio Cultural, alusivo à data de nascimento de Rodrigo Melo Franco de Andrade (1898-1969), o primeiro presidente do então Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), em 1937, com grande atuação à preservação da memória e criação de políticas de salvaguarda dos bens culturais.
O patrimônio cultural abrange desde bens materiais, como edificações, monumentos, sítios arqueológicos e paisagens culturais, até bens imateriais, como os saberes, festas, rituais, expressões artísticas e modos de fazer. Ao longo das últimas décadas, o conceito foi ampliado para incluir também o patrimônio natural, industrial e digital, refletindo mudanças sociais e a necessidade de reconhecer novas identidades e narrativas. O que antes era considerado patrimônio por sua beleza e monumentalidade, por estar associado a grandes feitos relacionados à nação, vem se diversificando e intensificando seu caráter cultural a fim de dialogar com nossa pluralidade.
Além dessa diversificação, no Brasil, as políticas de preservação, iniciadas na década de 1930, passaram por avanços significativos com a criação de legislações, de órgãos de preservação a nível federal, estadual e municipal, programas de educação patrimonial e evolução dos instrumentos de proteção. Entretanto, também sofreu desmontes e fragilização, que vão desde cortes orçamentários e mudanças de prioridade política, até a dificuldade, ou mesmo ausência de fiscalização, colocando em risco a salvaguarda dos nossos bens.
Embora o Dia Nacional do Patrimônio Cultural seja celebrado em 17 de agosto, a data ganha diferentes significados e formatos em cada região do país. Estados e municípios adaptam a comemoração às suas próprias histórias, identidades e referências culturais, celebrando o que lhes é próprio através de atividades que vão de seminários, oficinas e visitas guiadas, a exposições, intervenções artísticas e ações educacionais.
Em diversas localidades, a celebração se estende por bem mais do que um único dia, transformando agosto em um período de mobilização pela memória e pela preservação. Essas iniciativas fortalecem o vínculo das comunidades com seus bens culturais, incentivam a valorização do patrimônio local e reforçam a importância de sua proteção e inserção no dia a dia, criando oportunidades para que mais pessoas se envolvam e reconheçam suas heranças culturais.
Nessa perspectiva de envolvimento, o Estúdio Sarasá, conjuntamente com o Instituto Sarasá, tem realizado iniciativas de reflexão acerca da dimensão do patrimônio cultural e do quanto o campo ainda é restrito, inclusive transpondo a segmentação das materialidades e imaterialidades. Com agendas e canteiros de intervenção de conservação e restauro abertos às comunidades, através de vivências, oficinas e cursos, estes frutos da Zeladoria do Patrimônio Cultural, temos alcançado resultados surpreendentes.
A Zeladoria do Patrimônio Cultural tem tocado e mostrado camadas do patrimônio e das culturas que não são apenas aquelas, oficial e historicamente, reconhecidas como representativas das monumentalidades, mas também as correspondentes aos imaginários, às resistências, disputas e práticas relativas ao comum e ao bem viver de povos e comunidades tradicionais. A atenção, cada vez mais premente, às mudanças climáticas e emergências do meio ambiente são pautas que têm sido trazidas nas nossas ações e pensamentos pela preservação.
Ao longo do mês de agosto de 2025, Estúdio e Instituto Sarasá percorreram diferentes regiões do Brasil, aproximando o público de seus bens culturais. No Rio Grande do Sul, as atividades incluem ações no Memorial do Estado, no Solar dos Câmara e no Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB-RS), promovendo diálogos sobre história, preservação e arquitetura. Curitiba também integra a agenda, onde participamos da Semana do Patrimônio Cultural da cidade, ampliando o alcance das ações através da Zeladoria do patrimônio cultural e fortalecendo o compromisso com a memória e a preservação do país. Em São Paulo, destacam-se as oficinas e visitas mediadas no Museu de Arte Sacra, Museu Catavento e Museu de Energia de Itu, além da experiência em Santos, onde uma cartografia afetiva, conduzida por meio de um passeio histórico, convida a olhar a cidade sob as lentes da afetividade. No Rio de Janeiro, em sede do projeto de pesquisa, conservação e restauração da Igreja de São Benedito, em Cabo Frio, as técnicas construtivas e os saberes tradicionais são experienciados pelos participantes, que atuam simbólica e afetivamente na preservação do bem cultural. Em Pernambuco, são cotidianos os diálogos estabelecidos em sede dos projetos com a população local e órgãos de preservação, extrapolando a celebração e o mês do patrimônio.
Pelas experiências teóricas, práticas [e, sobretudo, sensíveis], em nossos projetos culturais, seja pelo Estúdio, seja pelo Instituto Sarasá – este com a missão de expandir o aprendizado político e comunitário do patrimônio -, vemos a data, que marca e exalta as culturas e políticas patrimoniais, como um momento de avaliação acerca da nossa atuação e das possibilidades que têm surgido da diversidade patrimonial. Consideramos o que vem sido feito no âmbito dos órgãos de preservação e nas pautas além patrimônio (mas correlatas ao patrimônio cultural e ao urbano), nas gestões públicas e privadas, pelas iniciativas comunitárias, academia e profissionais, e trabalhado para que as redes e as articulações pela preservação sejam tecidas.
A sensibilização e o estímulo das habilidades sociopolíticas são caminhos que temos nos dedicado, sendo que o aprendizado que obtemos é muito maior do que a proposta educativo-pedagógica à qual nos propomos. Nos encontros, ao pensar e vivenciar o patrimônio cultural, a pedra, a terra, a madeira e outras materialidades que, ao longo do tempo, foram moldadas pela história, pela arte e pela experiência humana, buscamos despertar a afetividade e o valor do intangível. São percursos abertos, passíveis, ainda, de elaboração [e, talvez, um dia, de mais celebração].