Como parte das ações do Dia Estadual do Patrimônio Cultural em Porto Alegre, o Estúdio Sarasá e o Instituto Sarasá, com o apoio da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, abriram as portas do Solar dos Câmara, a construção residencial mais antiga da cidade, para uma experiência especial: conhecer de perto um edifício histórico em pleno processo de restauro.
A atividade reuniu dezenas de visitantes que puderam percorrer os ambientes do Solar observando e aprendendo um pouco das técnicas utilizadas no processo de conservação e restauração deste bem cultural. A visita guiada buscou mostrar que o restauro vai muito além da estética: trata-se de um trabalho de pesquisa, cuidado e respeito, que envolve compreender a trajetória do imóvel, suas materialidades, seus moradores, seus usos, os contextos culturais que atravessou.
Para tornar a experiência ainda mais rica, cada ambiente recebeu um QR Code que levava os visitantes a um conteúdo exclusivo, com informações históricas, investigações e imagens do “antes” e “durante” a intervenção. No site desenvolvido especialmente para a ocasião, também disponibilizamos textos que aprofundam a história do Solar, explicando a importância da restauração como ferramenta para manter viva a memória coletiva.
O objetivo foi aproximar o público do patrimônio, permitindo que eles não apenas observassem a obra finalizada em alguns ambientes, mas entendessem o processo que torna possível sua preservação. Ao acompanhar as etapas de investigação, conservação e restauro, os visitantes tiveram a oportunidade de perceber o quanto a materialidade dos edifícios guarda não apenas beleza, mas valores culturais, sociais e afetivos.
Ao longo do processo de pesquisa em andamento [que reúne estudos bibliográficos, documentais, descobertas e evidências reveladas no próprio dia a dia restaurativo], percebemos como essa investigação é parte essencial da intervenção. Mais do que resgatar a arquitetura da Casa Colonial portuguesa e os acréscimos construtivos e artísticos de influência neoclássica, buscamos compreender o papel político e social que o edifício ocupou na história do Rio Grande do Sul, e também por meio da trajetória de seus proprietários. A pesquisa acerca das materialidades da edificação e das simbologias que impregnam o Solar, tem uma missão político-pedagógica de abrir diálogos. A existência da senzala no pavimento inferior, por exemplo, e os apagamentos que o patrimônio cultural pode construir e perpetuar no espaço-tempo, são pautas prementes na discussão da preservação.
Os usos, o caráter cultural e museográfico próximos são pontos que também estão sendo tratados, ao longo do projeto e processo conservativo-restaurativo, que está fechando um ano de execução neste mês de agosto. Estamos na metade da obra e mais oficinas, vivências e encontros estão programados para os próximos meses.
As portas abertas do Solar dos Câmara receberam visitantes diversos — a vizinhança, representantes de órgãos de preservação e instituições de cultura, acadêmicos, admiradores, pessoas que ainda não conheciam o bem cultural. A agenda, além das visitas guiadas para os servidores da Assembleia e abertas ao público, contou com espetáculo da Orquestra “Que sea Tango”, celebrando o mês do patrimônio e sua pluralidade, uma oportunidade de ocupação e apropriação cultural do espaço.
Ao final da experiência, um formulário de avaliação convidou o público a refletir sobre o que tinham visto e vivenciado. As respostas nos emocionaram: 100% dos participantes afirmaram que passaram a valorizar mais o patrimônio cultural após a visita. E, quando perguntados sobre o que torna este bem importante, todos citaram a “história” como palavra-chave, reconhecendo que o valor do Solar dos Câmara vai muito além das paredes: ele carrega memórias, identidades e afetos que ajudam a construir a cidade.
A experiência de abrir as portas do Solar dos Câmara [nesta quarta edição e, por ora, contando com o material expositivo] em pleno restauro, reforçou a importância de aproximar a comunidade desses processos. A restauração deixou de ser vista como uma atividade restrita a especialistas para se tornar um gesto coletivo de cuidado com a memória. Ao compartilhar os bastidores do trabalho e revelar as camadas do tempo preservadas em cada ambiente, fortalecemos a percepção de que a preservação do patrimônio é uma construção conjunta, que nasce do conhecimento, do encantamento e do reconhecimento de nossa herança cultural.
O texto foi produzido por Brenda Leite e Flávia Sutelo, integrantes da equipe de Zeladoria do Patrimônio Cultural do Estúdio Sarasá, e a iniciativa do Portas Abertas no Solar dos Câmara é uma interface da Zeladoria Cultural com a equipe de Arquitetura e Obras do Estúdio Sarasá no Rio Grande do Sul. Os encontros acontecem ao longo da jornada conservativa-restaurativa do bem cultural e têm o apoio do Instituto Sarasá.